segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Sua prometida.

Eu nunca estivera ali antes, ao menos não pessoalmente. Era relativamente verde por todos os lados, árvores e mais árvores. Não me lembrava como havia chegado ali.  
Prossegui os passos pela trilha encontrada, meus olhos fixaram-se a uma pequena luz não tão longe, eu segui até a mesma, havia ali no fim da trilha um monumento, uma estátua, as formas perfeitas de uma mulher, os cabelos soltos da estátua pareciam ser jogados para a direita, o mesmo lado em que meu cabelo estava sendo empurrado pela massa de ar.
Voltei meus olhos por todo o traço percorrido, que lugar era aquele? Porque estaria ali?
E então eu o avistei, este eu já havia visto antes, os ombros largos e o sorriso suave estampado, como o que eu já havia visto um dia. Eu não me lembro quando, mas eu sabia que o conhecia. Usava uma camisa preta e um jeans azul, os olhos castanhos eram tão evidentes daquela distancia. Ele parara, me observando próxima à estátua, mas eu sabia que seus olhos estavam em mim, e quando o olhei eu vi. Vi todas as lembranças, nós juntos em uma casa toda de madeira, frente à Torre Eiffel, em outros países, em outras casas, em trens, em metrôs, eu estava com ele. Sempre.
Meu peito se preenchera, mesmo distante, eu tinha certeza de seu cheiro, da sensação de seus braços à minha volta, mas parte de mim não se lembrava disso. Quando ele abriu um sorriso, minha razão deixou de se perguntar qualquer coisa, eu reconhecia o sorriso, aquele tão lindo, ele me pertencia. Ele era meu.
Nós nos aproximamos e nos abraçamos, a sensação já sentida antes parecia alguma novidade para meu coração, para este coração. Porém meu corpo correspondia tão completa e intensamente, sabia que a ele pertencia. Nossos corpos se viram ao chão, entrelaçados, unidos, eu sentia-o tocar meu rosto, meu cabelo, sorrir, mas ele nada dizia. 
Eu mantive os olhos nos dele, sem evitar sorrir, sem evitar observar cada detalhe do rosto daquele estranho, estava vendo o jeito como ele mantinha-se perto de mim, como se me esperasse há anos. A sua prometida.
O vento soprou mais forte, ele me mantinha aninhada ao seu peito, só que dessa vez não deteve meus olhos que se levaram à nossa volta, não estava mais tão claro, nem mais tão verde, o gramado parecia coberto por uma sombra, meus dedos apertaram-se em seu braço e aquele homem tentou me manter segura ali, mas eu percebera que havia algo errado. Forcei meu corpo a se levantar, afastamos da árvore ao qual eu apoiava meus pés. 
Voltei os olhos àqueles castanhos, perguntando o que acontecia, mas quando ele segurava meu rosto entre as mãos eu quase esquecia de que estava em um lugar desconhecido, queria permanecer em seus braços. Com seu aroma.
Quando me soltei, senti-o puxar meu braço com certa possessividade. Ele não queria que eu visse. Ele não queria que eu os visse.

Mas lá estava a floresta, mais escura agora, o cheiro dali era tão bom, mas quando ele tentou me virar para si, eu forcei-me a manter olhando por entre as árvores e eu os vi, saindo, os casais, as moças vinham andando pela trilha, sozinhas. Como eu vim. Iriam se encontrar com alguém.
Entortei os lábios e arqueei as sobrancelhas, meus passos decorreram para próximo à trilha, mas eu fui segurada, mais uma vez era ele, ele e seu olhar sedutor. Mas a razão tinha recobrado e agora eu corria, perto da mulher. Enquanto me aproximava, meu coração absorvia de um susto tranquilo, paradoxal. Era como olhar um espelho.
Ela vinha, seguia a luz também, e logo o encontraria. O meu espelho, só que desta vez ela parou-se frente a mim, seus olhos âmbar pararam ao fitar aos meus, idênticos. Sua voz não saiu. Nem a minha, sondei a nossa volta e encontrei aquele homem atrás de mim, sua voz emitia prece, para que eu parasse, para que eu voltasse. "O ciclo tem que continuar, minha Serena.", sua voz soava tão suave, mas estava nervoso, a mulher a minha frente apertou os lábios, arregalando os olhos. 
E quando a olhei de novo, ela estava desmanchando, ela era eu. Seus olhos estava se desmanchando e os pedaços de seu corpo caindo. Ela virou pó e quando o fez, eu me virei para ele, em nenhum instante ele soltou os dedos de meu pulso. 
Abri a boca para dizer algo e me soltei bruscamente, assustada e horrorizada. Quando sua pele deixou de estar em contato com a minha, ele dissipou, assim como ela, só que dentro de seu corpo, o pó era negro. E quando o vento o soprou, cegou-me a vista, a escuridão engolira-me por completa.
Despertei.
Meus dedos correram pela extensão de minha pele, como se procurassem algum vestígio de pó. Estava inteira. Por completo. Respirei fundo, apertando os dedos no lençol e sentando na cama, olhando envolta.

Nada. Ninguém. 
Entortei os lábios, aliviada, levantando e caminhando para a cozinha, já vestida por conta do horário, trabalho. Não demorei a chegar ao escritório onde minha amiga Denise já estava apressada como sempre, mas desta vez não era pressa. Era ansiedade. Não me atrevi a perguntar o motivo, e nem precisei. Ela apontara, da forma mais disfarçada, para a porta, onde eu pude ver entrar, um homem de olhos castanhos e cabelos escuros. Era o novato. Juro que de todas as pessoas ali presentes seus olhos sondaram e encontraram facilmente, vieram aos meus, eu senti minha pele queimar e ao mesmo tempo um arrepio na espinha.
Era ele. E quando a janela aberta soprou vento, eu pude dele ver flutuar um pó suave, então havia um sorriso em seus lábios, as memórias voltaram a minha mente. Do não vivido, mas estávamos juntos, em Paris, em Los Angeles, cidades, países, lugares, casas, navios. E em todas essas vezes ele tinha aquele sorriso entorpecedor que mantinha meus olhos vidrados a ele, e em todas as vezes eu terminava com uma faca encravada no peito e o coração retirado. O coração era dele, eu era sua prometida. E ele me buscaria, embebedaria-se do amor de minha alma e tomaria o que era seu. Eu. 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Vingança de alma

Pela falta de renda eu e minha mãe nos mudaríamos para o subúrbio de Nova York, onde uma antiga senhora morava, mas teria falecido recentemente, conhecida pela família, mas isolada. O preço fora favorável a nossa renda. Estava meio vazio aquela manhã.

Era um pequeno espaço, mas confortável o suficiente para nós duas. Logo dentro havia um corredor longo até meu quarto, escuro o suficiente para que eu quase não notasse a porta do sótão, se não fosse pela portinha indiscreta.
Minha mãe me chamara, precisava de ajuda com nossas coisas, corri até o quarto dela, próximo ao meu, era pequeno, mas dava para algum tempo, provisório. Dirigi-me ao meu quarto mais a noite, logo me concentrando em uma noite de sono, ouvi os roncos de minha mãe, tão cansada, logo estaria em sua busca de emprego novamente e procurar uma escola pra mim.
Fitei o teto por um longo momento, não consegui dormir, ainda mais porque ouvia um barulho próximo, coloquei-me de pé a olhei pelo corredor, parei na porta observando atentamente, acho que o barulho vinha do sótão... Acho não, ele vinha.
Não sei porque, mas... Meus pés estavam me levando até ele e foi mais que automático quando subi lá. Estava escuro e a lua parecia resplandecer naquela noite, de uma forma sobrenatural.

Apertei os lábios severamente, confusa com o barulho e posso dizer que aquela lua prendera minha atenção por algum tempo indefinido, eu mal conseguia me concentrar em meus pensamentos até ouvir um barulho atrás de mim, este reconheci, havia o ouvido no meu quarto. Por fim, me virei e vi uma estante de livros, uma estante grande, me vi interessada quase que anormalmente, costumava gostar de livros, mas não era do meu ser ir ver algum em um sótão, basicamente abandonado ao meio da noite.
Mas, novamente, lá estavam minhas pernas se movendo rapidamente em direção aquela estante. Eu tropecei.
Dei de cara no chão, mas não tive nenhum machucado grave, descobri que era em um livro que eu tinha tropeçado, ele era grande e marrom e quando me sentei ao chão, pude perceber que as letras de sua capa eram todas de um tom prata brilhante, chamativo o suficiente como as molduras em seu entorno. Não pude deixar de enrugar a testa com os símbolos da capa do livro e observei que, de giz, os mesmos estavam reproduzidos ao chão. A minha volta.
Havia uma estrela, esta eu sabia que já tinha visto alguma vez, deve ter sido em um filme... Talvez. E eu estava exatamente no centro, ainda assim, decidi abrir o livro. Sentei-me próxima a janela e observei as gravuras ali.

Logo na primeira página, havia letras grandes e bem intrigantes, escrito então "Invocações.", sim, isso parece uma grande burrice, mas lá estava eu lendo a primeira página... A segunda e meus olhos estavam se perdendo entre elas, acho que não era sono, parecia delírio. E o calor emitido vinha de minha direita, noite fria demais para algum calor. Havia uma fumaça cinza ali... Envolvente, tomando meu corpo como um alimento.
Estava no meu quarto, amanheci depois de o que parecera ser um sonho, exceto pela presença de um grande livro na cabeceira de minha cama, eu o reconheci de imediato e dei um pulo sobre a cama, parte de mim afastara-se com a certeza de que era um livro de magia negra, se é que isso existia, a outra parte tinha um desejo quase incontrolável de lê-lo mais uma vez.
No fim da tarde, lá estava eu no corredor, olhando em direção a porta do sótão. Subi novamente, precisava descobrir o que de tão curioso havia ali. A janela me chamava atenção mais uma vez.

Desta vez, o reflexo nela me chamara a atenção, parecia de alguém e me virei checando se não havia ninguém atrás de mim. Enruguei o cenho, fitando ali mais fixamente, havia uma mulher, bem velha e com marcas fortes de expressão, e eu não entendia porque a via ali, pisquei algumas vezes e dei um passo pra trás, o reflexo afastara. Era uma mulher, em mim.
Sua expressão mudou, um sorriso, sádico.
Não pude conter o grito que se expandiu de minha garganta até minha boca ganhando voz, e eu rastejei até a porta, saindo dali tão rapidamente, corria de forma desesperada até a cama, mas não me lembro de ter deitado, eu desacordara.
— Ketheleen, acorda querida, vamos visitar sua escola nova. Pegue suas coisas. — Era minha mãe logo cedo, 5:30. Ah, não.
Limpei os olhos preguiçosamente e tive de levantar, me arrumando vaidosamente para o primeiro dia lá. Estava bonita, acho eu, mas nervosa. 
Fui apresentada a uma turma não muito grande, mas eu já podia ver olhares analisando-me de cima abaixo, como se inspecionassem ou algo do gênero, senti-me desconfortável, mas não seria tão difícil aguentar assim por alguns dias, se não fossem apenas os primeiros, os rumores a meu respeito pareciam se expandir a cada dia mais. 
Em um destes, eu perdera o controle, estava no banheiro, encostando os dedos na pia, com lágrimas aos olhos, o desespero na garganta, quase demonstrando quando vi aquele reflexo novamente, aquela velha falava algo e eu arfava de tanta raiva, mal conseguia me controlar ou raciocinar algo, tentei decifrar as palavras que saiam da boca daquela velha, eu não a ouvia... Eu me ouvia, os sussurros dela agora vinham de mim e quando apertei os lábios para parar, o espelho estourou.

Estilhaços por todo o chão e o desespero em meu coração, corri dali rapidamente, não estava ferida. Entrei na sala e me encolhi apertando-me a cadeira, fitando o professor que já entrada, ouvindo os murmúrios e sentindo na pele os olhares sobre a estranha, eu.
Uma garota, em especial, ela e seu namorado, Laura e Tyler, eram os piores, os populares, estes eram quem mais se aproveitavam de uma visão sobre mim para chacota, para acabar comigo. Ela, a loura de olhos verdes e corpo extremamente esbelto e ele, alto, cabelos negros, olhos castanhos-esverdeados, os ombros largos indicavam certa força, a simetria colocada a si. Perfeitos e cruéis.
Nas minhas tardes, eu pensava nisso, em como ser diferente, mas não foi difícil descobrir que não seria possível, até porque eles não pareciam do tipo que poderia ser mudado, eram irredutíveis. E a cada dia, eu via aquela mulher, meu reflexo, meu. Foi no sótão que encontrei uma foto, era dela, e seu nome, Amélia Freire, o nome escrito a mão, uma bela letra. A antiga dona da casa, uma bruxa... Praticante de magia negra.
Outra tarde e eu estava no sótão, parecia um belo lugar para ler aquele livro enquanto eu podia ver uma vela materializando-se a minha frente... O chão tremia de uma forma que ganhava ondulações, e eu jurava que era água, mas ao passar a mão eu nem mesmo sentia molhado, só o piso duro, ilusionista. O fogo era de verdade.

Apertei os lábios, logo havia aprendido o que eu podia fazer. Meus dons.
Nunca cheguei a ter outro contato com Amélia fora daqueles reflexos e de ver sua boca se movendo, nunca ouvi sua voz, mas uma vez eu a entendi, seus lábios formavam bem uma palavra: Vingança.
Meses depois, a formatura, eu havia desenvolvido minha magia, era uma bruxa negra. Seguira passo a passo da instrução daquele livro. E não precisava de ninguém naquela escola, ninguém. Éramos agora apenas eu e Amélia, e minha pequena vingança através de um feitiço de sedução. Tyler me desejaria esta noite...
Meu vestido era longo e preto, um negro que parecia ter sido complementado pela noite mais escura ou pelo mar mais denso, com o que ressaltava minhas formas e meus lábios tinham um tom do sangue pulsante, aliás, eu estava bela como jamais estivera.
Poucos me reconheciam com aquele visual, com aqueles olhos, aquele cabelo, aqueles lábios sedutores.
E os olhares, estavam todos em mim, femininos de inveja, e masculinos de desejo, e eu conseguira o dele aquela noite, Tyler, ele mal conseguia tirar aqueles belos olhos de mim. Aproximara-se e eu podia ler sua expressão, ele parecia checar se era mesmo eu. Eu não era mais eu há tempo demais...
Eu soube que era eu a rainha da festa no fim da noite, logo que me chamavam ao palco e quem fez questão de pegar minha mão e me acompanhar fora Tyler, ele ganhara como o rei e o seu olhar presunçoso ao resto mostrava não só vitória, mas posse, ele apanhou minha cintura para alguma foto, de forma íntima. A dança a seguir foi muito mais do que desejo, foi encanto, eu podia ver que seus olhos não se desprendiam de mim, dos meus e em seguida eu podia sentir mais de sua proximidade, queria sentir seus lábios... Eu o desejava...

E desta vez fomos interrompidos, era Laura, enfurecida, havia algo em suas mãos e só reconheci quando o líquido atingiu meu vestido e peito, era ponche. Ela pegara minha coroa gritando algo que de início não ouvi, ela jogou o objeto ao chão e pisou sobre.
— Você jamais será uma rainha! — Então ela pegou a mão de Tyler puxando-o para si. — E quem você pensa que é para tentar beijar meu namorado?
— Eu não ia ficar com ela, estávamos apenas dançando, eu jamais ficaria com essa derrotada! Acha que enlouqueci? — Um riso de escarnio emitido pelos lábios de Tyler e a repulsa tomando conta de mim. 
O ódio tomou conta da minha mente e todo o mal em mim despertou, a minha noite de rainha fora destruída,  tudo estava destruído. Ergui minha mão sem dizer nada a agressora a minha frente e então minha força fez com que todas as portas e janelas fossem fechadas, impedindo a saída de qualquer um que estivesse ou não me observando. E as luzes apagaram, eu caí de joelhos e meus dedos se apoiaram ao chão, eu sabia que estava dizendo algo, mesmo que nem mesma eu entendesse, Amélia estava dizendo, estava me defendendo, me vingando. Ela me protegia
A força, as trevas, se tornaram novamente aquela fumaça que eu nem mesmo precisei abrir os olhos para ver, as luzes haviam acendido, mas meus olhos permaneciam fechados, ergui então a cabeça e abri os lábios, esperando para engolir de todo aquele mal em minha alma, sentia entrando por dentro e tomando conta de parte da minha alma, inconscientemente meu corpo estava sendo erguido, eu não sentia mais o peso de meu cabelo sobre meus ombros, estavam levantando, antes eles e depois meu corpo que estava sendo erguido e possuído, quando abri meus olhos, fitava o teto, eu imaginava como estava minha aparência agora...
Só importava a vingança.
Voltei meus olhos a todos no salão, que estava aterrorizados, inclusive Tyler e Laura, que estavam  boquiabertos, ergui as mãos suavemente, o poder em meu corpo dominava minha mente, a voz soava por minha boca não só me pertencia. As palavras mudaram desta vez, era outra parte da magia, esta era letal.
Minhas mãos estavam juntas e fechadas, quase que inconscientemente e quando eu voltei os olhos para todos, estas se abriram e quando se voltaram a eles, eu pude ver todo o salão a explodir, levando consigo no fogo cada alma, exceto a minha, que agora absorvia cada uma como um gole de vinho. 
Eu sempre quis algo dessas pessoas, ser como elas, mas agora todas estavam em mim.


                                    — Tema criado por Rubens Calchi, desenvolvido e escrito por Jacquelyne Goulart.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sem tempo.

Tarde de inverno. Por que todos os dias pareciam iguais?
A rotina tomara conta da minha mente, 6:22, eu acordava exatamente nesse horário. Logo pela manhã eu preparava um chá, pois eu odiava café, e logo ia conferir a correspondência.
7:40, academia. Eu acho que gastava mais força para me convencer a ir do que quando estava fazendo algum tipo de exercício.
Eu tinha horário para tudo.

O almoço era diferente, mas algo que eu já estava mais acostumada a me adaptar, selecionado com apenas o de meu melhor gosto e o que era saudável, eu nunca entendera porque ambas as coisas eram tão opostas, o que eu gostava e o que fazia bem. Trágico.
Eu tinha que passar na casa do Chace, ele havia me ligado alguns dias antes, precisava me ver, não disse o motivo da visita que esperava ou o assunto pelo qual falaríamos, mas algo dizia que ele iria despedaçar novamente. Ele nunca reagiu bem a divórcio.
Meu celular estava tocando incansavelmente logo pelo começo da tarde, eu mal olhava a tela pra saber que era do trabalho, e acho que praguejei mais aquele dia porque precisavam de mim e eu teria de desmarcar meu compromisso. Liguei para Chace, um toque, dois, três e eu estava na caixa postal, minha paciência martelou a mente num aviso de que iria sumir logo. E ele não atendia...
Eu odiava a normalidade com que eu fazia as coisas, mas tudo parecia tão controlado através do meu relógio que posso jurar que era ele quem estava controlando e fazendo escolhas por mim, toda vez em que eu iria fazer algo, eu o consultava. Isso não acontecia há 575 anos, mas também não era tão fácil e confortável. Garanto que não sinto saudade dos espartilhos, nem mesmo do trabalho de camponesa, e só de pensar eu já sentia a terra em minhas mãos. Ao pensar nisso, chequei-as para ver se não estavam sujas.

Eu sei, eu levei anos calculando alguns passos meus, quem ficar por perto, quem me afastar, eu sabia o que cada pessoa era apenas de olhar, era uma boa analista, admito. Isso ajudava no meu trabalho, New Castle parecia agradável nesse horário, mas eu já podia ver todo o sinal da poluição da janela da minha casa, não que o Brasil fosse diferente... Mas, bom, fazia tanto tempo que eu não visitava meu país de origem, já que as lembranças conseguiam me corroer profundamente por dentro como um ácido. Os lugares em que estive, as pessoas que conheci, as que amei... Eu nunca as devia ter amado.
Quem eu sou nunca foi uma pergunta muito estressante, bom, por algum tempo há muito tempo eu ficava com isso na cabeça, sabe, sobre nunca ter um fim, nunca encontrar alguém parecido comigo, porque pelo que eu entendia esse negocio de envelhecer não era muito a minha praia. Claro, acho que toda mulher gostaria de parar com vinte e cinco anos e ficar com o corpo belo sem ter que mudar, ganhar rugas, marcas de expressão ou coisas do gênero, mas acho que apesar disso parecer bom, depois de um tempo se torna um fardo que mata a cada segundo. Como se eu vivesse cada segundo.
Uma vez encontrei alguém como eu, era um cara mais velho, bem mais velho que eu, mas sua aparência era simplesmente impecável e completamente apaixonante. Sou schopenhaueriana, nada pessoal, mas ele logo desistiria de mim, das minhas teorias e eu sofreria... E sofrer para sempre é tempo demais.
Chace atendeu.
— Aconteceu alguma coisa, Débora?  Sua voz parecia preocupada. Não sei porque decidi usar esse nome, deveria ser o sotaque de lá ficava bonito quando o pronunciava ou era porque, definitivamente, eu já não me importava mais, nem com meu nome, nem com minha aparência.
— Ah, sim, um imprevisto. Eu tenho algo no trabalho, mas vou até aí o mais rápido possível . — Havia tempo que eu me acostumara com o idioma dali, falava de forma tão fluente que poucos reconheciam que eu não era naturalmente do local.
— Hum, tudo bem...
Não, eu não era sua psicóloga, estava bem longe disso.
Logo me despedi e fui até o departamento de polícia, não vou perder meu tempo com referencias ou nomes, o que era importante era meu chefe e alguns integrantes que me ajudavam em alguns casos. Nem me lembro porque escolhi esse emprego dessa vez, mas parecia tão apropriado, eu tinha facilidade em solucionar casos de assassinato, é que... Depois que se vê tanta gente morrer, ironizo-me a dizer que a morte perde a graça e ganha a cobiça.
Era um caso novo, nada específico um homem, no máximo trinta anos, não me permiti compreender porque a descrição dele estava tão bem feita. Olhos escuros, cabelos negros e lábios finos demais, a pele era branca, e uma imagem se formava em minha mente, ergui a sobrancelha me perguntando se estavam falando de algum ator de novela ou filme. Chequei envolta, só um dos caras mais jovens estava do meu lado, apertei os lábios com certa frustração.
— É isso? Está brincando comigo? — Indaguei, a voz fina alterando o tom.
— O que tem de errado nisso? — Ele era de outra cidade, céus, seu sotaque me deixava realmente irritada, não sei porquê. 
Como alguém tão inocente e jovem poderia trabalhar naquele departamento? 
— Cabelo negro, olhos escuros e lábios finos... Ah, que lindo, quem é o responsável por esse relatório? Está buscando um ator ou um assassino? Quem fez isso? O cara não tem cicatrizes? Uma tatuagem? — Murmurei irritada, me deixava ficar assim facilmente, na verdade, adorava testar a paciência alheia. Vaguei os olhos por todo o cômodo e vi que ninguém se manifestara. Cruzei então os braços e voltei os olhos ao rapaz ao meu lado, ele parecia tremulo diante de uma superior, ele nem era tão novato. 
Apertei, portanto, os lábios e continuei a fitá-lo, soltei um suspiro.
— Eu não sei, deixaram na minha mesa logo hoje cedo com um recado para te entregar o caso, não cheguei a verificar os papéis.
— Quem deixou?
— Eu não sei. — Findou.
Voltei os olhos para o papel, frustrada, mas logo sentia a conformação tomando conta de mim aos poucos, procurei outras marcas e outros detalhes na ficha, empurrei minha cadeira e sentei, mais uma olhada no relógio e no rapaz que parecia esperar minha permissão para se retirar.
Ergui os olhos.
— Obrigada, ah... 
— Jonathan.
Eu sabia seu nome, só não queria me esforçar a lembrar. 
— Isso, obrigada, pode ir agora.
Coloquei tudo numa pasta assim que ele saiu e peguei todos os arquivos, deixei tudo separado. Queria pedir para levá-los e analisar tudo em casa, mas seria uma grande briga com meu chefe novamente, eram documentos importantes caso eu os perdesse.
Dei uma lida rápida, não era um documento extenso. Por fim, coloquei meu casaco novamente e saí, não esperei me darem um novo caso pra mim, menti que precisava fazer uma pesquisa e olhei o relógio novamente, tão presa a ele. 
Acelerei no carro com calma, odiando o transito, mas não me importando, estacionei o carro naquela garagem familiar do Chace e apertei a campainha.
— Debby. — Um sorriso familiar expandiu-se pelos lábios carnudos e brancos, as bochechas agora estavam pálidas, os olhos estavam azuis em um tom claro, eu podia jurar que quase atingia o tom de sua pele e eu... Tão sobrenatural, me perguntava ainda bobamente como aqueles olhos pareciam mudar de cor.
Minhas mãos ficaram aos bolsos do casaco, o frio do inverno era mesmo infernal.
— Oi, Chace — Acho que ele era a única pessoa com quem eu podia falar em português as vezes, ele se esforçou a aprender, mas devido a sua dificuldade em compreensão, me acostumei a falar com ele como com as outras pessoas. — Está bem? — Que pergunta! Genial, a cara dele nem indica nada, como sou esperta...
Quase revirei os olhos numa discussão interna. 
— Ah, eu... Estou sim, entra — Dera espaço e me senti bem mais confortável naquela casa, não era só pelo calorzinho, mas sentia falta dali. Ele estava indo até a cozinha e eu apenas o acompanhei ouvindo o som de minhas botas no piso de madeira com aquele barulho agradável, o bom gosto fora dele. — E você, como está?
Ele colocava chá naquela xícara vermelha com detalhes em dourado, eu sempre lhe disse que aquilo era natalino, mas o teimoso dizia ser apenas enfeites normais. Acabávamos rindo da imaginação fértil de ambos, já que... Tinha um coelhinho e estava escrito 'Feliz Páscoa'. 
— Bem... Alguma novidade?
— Sim, tomei uma decisão.
Juro que minha curiosidade quase me fez aproximar mais, mas achei realmente impróprio depois de tudo. Ele se aproximou de mim, colocou a xícara no balcão e encostou me olhando.
— Eu disse que havia desistido, eu entendo que você queira o seu espaço e que nossa separação foi porque sou muito...
— Não foi culpa sua, Chace. Sabe que o fiz porque eu precisava desse tempo, a culpa não é sua.
E não era.
Quando nos casamos eu era completamente apaixonada, mesmo sabendo que ele era humano, percebi isso desde a primeira vez que nos aproximamos, a questão é que eu não poderia ter uma estadia tão longa em sua vida, ele perceberia algo errado, acho que todos perceberiam, eu tinha de ser móvel, ficar alguns anos em um lugar e depois criar uma nova história, novo nome, nova cidade, novos documentos.
Admito, ele era diferente, não haviam motivos para que eu me separasse dele, não motivos relevantes para uma pessoa comum, mas é que... Eu não suportaria vê-lo morrendo todos os dias um pouco enquanto eu permaneceria jovem e forte, era uma injustiça particular, mas eu não tinha como lutar contra, apenas tentar fazer com que ele não sofresse. Não estava funcionando.
— Claro que sim, Debby... — Ele aproximou e dessa vez foi diferente, não como as outras em que gritamos um com o outro, discutimos e acabamos culpados, não havia nenhum olhar de reprovação em seus olhos e, consequentemente, nada que o impedisse nos meus. Seu corpo pressionou-se suavemente ao meu, eu quase havia me esquecido do quão quente e confortável era a sensação de estar em seus braços. Pude senti-lo abaixar o rosto e fitar meus olhos, era o fim. — Eu ainda sou louco por você.
Não era um caso simples. Pisquei algumas vezes, sentia-me adolescente como há mais de 500 anos não sentia e eu não consegui falar nada, só beijá-lo uma, duas... Três vezes seguidas, então senti aquela sensação que parecia sucumbir as forças do meu coração, apertando-o. 
Eu era dele.
Foi à noite que voltei ao departamento e comecei a estudar aquelas fichas, li tudo sobre o homem misterioso e o departamento foi esvaziando. Os locais em que o homem fora visto eram públicos, sim, exceto um e este me chamou atenção, pois eu sempre o visitava. 
Entrei no carro e me dirigi ao local, era bem aberto e próximo a uma ponte, pensei em me jogar algumas vezes, mas... Tentativas de morte nunca funcionavam, nada, parecia que até as armas tinham uma conspiração contra mim. 
Olhei lá para baixo e apertei os lábios um instante, se Chace me visse ali daria um surto, ele não gostava que eu andasse sozinha à noite, não gostava que eu ficasse em lugares desse tipo, mesmo sabendo que fazia parte do meu trabalho.
— Acho que sei o motivo de sua vinda...
Virei-me tão rapidamente que quase perdi o tom de voz ou o fôlego do peito.
Olhos escuros, negros para ser sincera, cabelo no mesmo tom, os lábios finos, a expressão passiva e fria, a pele tão branca quanto a neve que eu podia jurar ter a mesma temperatura dele quando ele se aproximou, mas eu não dei passos para trás para fugir do possível agressor. Senti-me bem-vinda, isso mesma, bem-vinda com um estranho, e confortável. Seus olhos eram astutos, astutos e analistas, seu rosto virou um pouco para o lado e ele usava um tipo de capa negra, algo que eu defini ser exageradamente misterioso para aquele homem.
— Não sou um criminoso — Sussurrou. — Eu levo almas, não me preocupo com o corpo... Teve 500 anos para achar uma solução para o que é, e nunca descobriu os motivos de sua imortalidade, olhe para o relógio, seu tempo acabou.
Não foi como se eu quisesse olhar o relógio, ele estava em minhas mãos e parece que meus próprios dedos o ergueram e eu vi, não havia números marcados, os ponteiros estavam juntos e eu sabia que era o fim do tempo. Escureceu. Não o céu. Eu.
E foi assim que eu sumi.
Não há muito que eu gostaria de deixar de recado, apenas ao Chace, mas ele já sabe o que deveria saber, sobre a mulher pela qual casou. E acho que outras pessoas também irão saber, a morte me abraçou como um anjo de escuridão, não sei definir as sensações de uma pecadora e amante de uma vida longa. 
Sei apenas que não posso mais ficar no corpo de um vivo para escrever isso, é melhor Jonathan acordar... Ironicamente... Não tenho tempo.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Pedaço do Inferno


Ele estava caminhando na neve, olhava para o chão e procurava algo no mesmo, eu parei atrás de uma árvore, olhei o relógio pela oitava vez naquela tarde.
Seus olhos lindos e verdes vagaram gentilmente, me procurando, eu era tão completamente apaixonada por ele. Engoli seco, pensando em como me desculpar pelo que eu havia feito a ele, não fora justo, ainda mais por que eu o amava, enfim rendi-me olhando-o.

— Ahn, por que esta aqui? — perguntei fingindo estar confusa.
— Vim ver você — seus olhos estreitaram-se aos meus e seu tom ficou mais frio — Mas parece que você esta fugindo de mim.
— Impressão sua — menti, ele veio até mim, olhou meus olhos — Me desculpe, por tudo que eu fiz pra você.
Deu-me um sorriso desprovido de alegria.
— Você escolheu-o, não é?
— Não.
— Não foi o que ele me disse — jogou.
Enruguei a testa.
— Eu não...
— Não precisa se explicar pra mim — ele abaixou os olhos.
Vi em sua mão direita um pequeno ramo de flores vermelhas, olhei-o novamente e puxei seu rosto.
— Por favor, não acha que basta o que houve entre nós? — perguntei-lhe calmamente.
Ele fitou meus olhos devagar, levantou o ramo de flores, eu fitei seus olhos, mas algo me dizia que deveria olhar o que estava em suas mãos, embaixo das rosas vermelhas e belas, de cheiro desfrutável e agradável eu podia ver um outro objeto brilhante, de um tom polido, tão limpo que parecia espelhado. Olhei seus olhos, com lágrimas nos meus, coloquei os dedos nos lábios incrédulamente.
— Sim, basta.
Ele levantou as flores e simplesmente apontou o revólver para mim, atirando de uma vez contra o meu peito, fora fatal para meu corpo físico, mas não para a minha bela alma, que agora contenta-se em vê-lo, em fazer da vida dele o pequeno pedaço do inferno.




sábado, 28 de janeiro de 2012

Infinito

Tudo que me lembrava era de vê-lo partir.

E sabia que com ele estava uma parte importante de mim. A mais importante.
Meus olhos agora cheios de lágrimas se estreitaram pelo quarto em que eu estava, levantei caminhando até a porta, com minha blusa cinza e um short qualquer.
Parei abaixando os olhos, encontrando o pingente esférico em meu bolso, ele havia me dado no natal, era lindo e com brilhos azuis, era perfeito.

Uma lágrimas libertara-se calmamente e eu coloquei o pingente no pescoço, olhei para o lago a minha frente, e lembrei de suas ultimas palavras, de sua breve despedida, no meu bolso direito peguei sua carta, lendo em letras rabiscadas, contando-me seus motivos, nosso fim, meu fim.
Forcei minhas pernas fracas a se firmarem de pé e segui por toda a praça, logo sentando em um banco, fechei os olhos e podia jurar sentir seu cheiro, presente, eu era ainda louca por ele.
- O que faz aqui? - levei um belo susto com aquela voz de veludo.
Olhei para o lado, surpresa.
- Hum...
- Esta chorando? - observou ele e eu limpei rapidamente os olhos com a manga da blusa.
- E-eu to bem - menti.
Ele se colocou ao meu lado, deixando sua bicicleta de lado.

Ele olhou bem de perto, agora colocando seus óculos, ele odiava usá-los, mas eu o achava perfeito assim.
- Nunca vou me acostumar com eles - admitiu me olhando por sobre as lentes.
Como sempre, ajeitei os óculos dele e ele abriu-me aquele seu sorriso perfeito.
Ver aquele sorriso interrompeu meus pensamentos, mas logo me enchi de questões a seu respeito, antes que eu dissesse algo ele repousou seu polegar sobre meus lábios.
- Eu... Tive uma doença rara... Não queria que sofresse, achei que deixá-la assim seria melhor - explicou e beijou meu rosto - Mas esqueci meu coração com você.
Tentei sorrir, quase sem sucesso.
Ele colocou a mão no meu pingente, me olhou com ternura.
- Você ainda a usa.
- Você vai voltar? A.. doença.. Você se curou? - perguntei rapidamente, preocupada, pegando sua mão.
- Ei, acalme-se - pediu tocando meu rosto - Eu quero que saiba que não a deixei por não a querer mais, mas para não a magoar ainda mais, minha querida.
- Eu sei, mas... Você vai voltar? - insisti.
Com um sorriso sutil nos lábios ele aproximou o rosto do meu.
Seus dedos em minha bochecha eram frios, mas reconfortantes, seu hálito era congelante sobre minha face, fitei seus olhos castanhos e esperei seu beijo, mas antes ele me disse algo, bem baixo.
- O destino é um quebra-cabeças, minha querida, é infinito... Talvez um dia, eu volte para você - e me beijou ternamente.
Aproveitei daquele beijo ao máximo que pude e seus dedos ficaram em meu pingente por um minuto, quando abri os olhos sentia a brisa acariciar minha face e diante de mim só seu perfume, não fora um sonho, não fora fruto de minha imaginação.
Ele viera me ver... Apesar de não estar mais comigo sabia deste sentimento infinito.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sub-mundo

Não era apenas outro lugar, era diferente.
Por que eu viera parar ali? 
Eu estava acostumada a ser enviada por vários sub-mundos, para aprender e poder me tornar a deusa, mas nunca estivera em um lugar desse.
Do meu lado, lá estava o mar, ao distante via-se uma cidade, escura, os raios tocavam o chão, um deles agora estava do meu lado e o toquei, levemente passando a mão naquela energia clara que me fortalecia até a ultima gota de sangue e alma.
Caminhei lentamente até a água, estava fria, havia uma pequena correnteza, meu sapato chegou a alcançá-la e eu sabia que não havia molhado, forcei outro passo mais largo, andando sobre a água, tentando lembrar minha missão da vez, sabia simplesmente que não tinha medo. Eu repetia isto a mim mesma algumas vezes, era simples, sempre fora, só tinha um pequeno detalhe, podia-me ser letal.
Parei. 
Fitei a água escura, quase negra, os corpos no fundo eram tão brancos que eu podia vê-los, talvez aquilo fosse uma armadilha. Olhei envolta novamente, nada além de árvores. Segui em frente, agora aproveitei-me do raio que decaíra em minha direção, tirando do mesmo duas tiras, formando delas armas, espadas. 
Observei rapidamente o vestido negro no qual eu esbanjava, era comprido e frio como a noite, me dava uma visão de crueldade, eu gostava desta sensação.  
Abaixei os olhos um instante, quando os levantei podia ver à água se levantar um pouco, distante de mim, mas o cheiro dela, não era um simples cheiro de água, tinha sangue, sangue novo... Recém-retirado de alguma vitima talvez saborosa.
Mordi o lábio lembrando do sabor de sangue quente nos meus lábios, esbocei um sorriso pelos lábios agora sedentos, mas sabia do veneno que escorria lentamente pela aquelas águas. Aumentei a velocidade com que andava, chegando a pequena cidade, meu vestido não se molhara, nem meus sapatos desnecessários, tirei o par, jogando na água, onde afundou rapidamente. Descalça, segui pela cidade deserta, com grades enormes avistei o castelo, passei as grades sem ter de abrir o portão e olhei lá embaixo, estavam lá, pessoas comuns andando pelo pequeno salão escuro, me perguntei o que faziam ali e se não sentiam assim como eu o cheiro da morte aos arredores daquele cubículo. Então o vi.
A lágrima negra que me escorreu os olhos não atingiu o chão quando saiu da minha face, ela apenas parou na minha mão, formando lentamente uma  palavra, que li rapidamente na contingência de que viesse a me guiar.
Fechei os olhos levemente, levando o choque de que já sabia o porquê de estar naquele lugar. A última imagem estampada em minha mente era dele, da ultima vez que o vi. Ele era o causador, mas não o motivo de eu estar ali.
Sem fazer bagulho fui pelos arredores daquele castelo, escuro agora, as vozes que me sussurravam para voltar, a minha consciência fazia o mesmo, ciente de minha possível morte ou talvez eu simplesmente ficasse preza aquele lugar. Valeria a pena. Eu tinha que tentar.
Ao virar o ultimo corredor vi a pequena cela, fechada, só uma pequena grade, seus cabelos vermelhos eram enormes e emergiam aquele cheiro de fogo, como se estivesse queimando ainda, não falei com ela, apenas joguei-lhe uma das espadas que fiz através do raio obtido. 
Ela chamou por meu nome, mas nada respondi, ajeitei minha espada, posicionei-me agora descendo as escadas, prestando atenção nos sons, em cada pequeno pingo de chuva que escorria pelo chão. Até chegar onde estavam aquelas pessoas, me olharam, algumas confusas, outras se encolheram e quando pisquei os olhos só ele estava lá, me olhando.
Trinquei os dentes agora vendo o que ele fizera, os crânios pelo chão, um exatamente no meu pé. Agora as vozes em minha mente sussurravam, eu tinha que matá-lo. Era esse o preço do meu erro, o preço da minha fraqueza.
Ela apareceu do meu lado, machucada, com sangue escorrendo pelo corpo, mas agora estava pronta novamente para me proteger, minha melhor amiga, minha irmã. Meu talismã.
Levantou-se e se colocou ao meu lado, seu sangue pingava e eu fixei-me nele, esquecendo o mundo a volta, ele tirou o capuz, eu jamais esquecera o quão belo era e o quão sedutor eram aqueles lábios finos, ele sorriu, sabia o que passara-se na minha mente, ele lia-a com muita facilidade. Eu odiava isso. Seu sorriso cruel se ampliara e só vi minha irmã atacá-lo.
Ela não podia matá-lo, sabia disso, era o meu preço, era o meu castigo. Ela o colocou contra a parede e olhando em seus olhos em avancei o passo, levantando minha espada, respirei fundo, ele implorou minha ajuda, dizendo que me amava, que me salvaria. 
Acreditei. Enfiei a espada em seu peito, agora sentindo a minha mente girar, o mundo a minha volta mudara, tudo que era escuro tornou-se claro.
Eu acreditara em seu amor, acreditara em suas palavras, por isso eu pagara. Eu pagara o preço de uma paixão incorreta, de uma paixão inexistente, mas que fortaleceu-me a alma e o coração, e agora eu conseguira salvar o sub-mundo.
Eu estava pronta. 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pesadelo diário

E se você se prendesse em um sonho?
E se tornasse um pesadelo?
Eu estava caminhando durante o dia entre as casas, mas já era tarde, comecei a seguir na direção de casa, onde subi no telhado, era um costume meu. Olhei para o céu, onde formavam-se nuvens carregadas e tudo escurecia rapidamente.

Uma ave de pequeno porte se colocou ao meu lado, fitei-o um instante e encostei-me numa madeira que tinha ali, fixando os olhos nas gaivotas ao distante, logo fechando meus olhos e os abrindo rapidamente. 
A tempestade surgiu, junta as sombras, as portas da casa batiam tão forte que meus ouvidos pareciam que iam explodir, vi a cidade escurecer, todas as casas apagando-se, pulei para a janela de casa e todas as janelas também batiam, o vento fazia barulho, eu podia jurar ver um vulto passar por mim.
Olhei em volta, apavorada, indo até a porta, tentando abri-la, pois a janela na qual pulei agora fechara-se.
—Eu juro a culpa não é minha! — ouvi a voz de um garoto.
Me encostei na porta, arfando de medo.
—O que? — arregalei os olhos.
—A culpa não é minha — o garotinho chorava.
Engoli seco, tentando tomar coragem e fui me aproximando dele, sem entender.
—Ei, você esta perdido? — perguntei baixinho.
Quando me aproximei mais vi os olhos do garoto, vermelhos vivo, por completo.
—VOCÊ NÃO PODE ME ENTENDER! — gritou junto a um trovão e caí no chão com tudo, ele veio até mim com passos lentos e não era mais um garoto, estava se formando ali um ser muito estranho.
Encolhi-me dando um grito de medo, era horrível. Abri a porta com toda força que pude e saí, o mundo afora agora estava de um azul, o ser, antes garoto, agora enorme caminhava na minha direção, com um machado na mão, corri, mas fui pega por trás, berrei de dor, sentindo em mim algo frio, muito frio e o hálito daquela criatura sem duvida inumana.
Em um grito meu pescoço foi cortado  e doeu, vi as gotas escarlate escorrerem rapidamente por meu corpo, a morte parecia tão simples...














Estava no quarto, inteira, deitada em minha cama, era simplesmente um sonho, a chuva lá fora continuava, calmamente a água estava batendo em minha janela, sorri por ser um simples pesadelo, por estar bem e por tudo ter enfim acabado, só fiquei irritada com o pequeno ruido que a cama agora estava fazendo, uma gota gelada caiu na minha testa, percebi que começou a cair gotas freneticamente pela cama, água para todos os lados da cama, virei para ver a água, mas não era água, era vermelho, vermelho sangue... Era sangue. Então  olhei para o teto, dei um grito muito alto.

A garota amarrada ao teto, ensopada de sangue, que agora pingava na minha cama era eu, ela tirou as mãos do rosto completamente desfigurado e amedrontador e me olhou no fundo dos olhos, afundando-me no desespero, que era o oposto de sua voz calma.
—É só o começo do seu pesadelo.
Mais uma vez eu estava presa... Em meu pesadelo diário.